Demissão em comum acordo: quais os direitos e como funciona na prática?

Direito do Trabalho

Desde a Reforma Trabalhista de 2017, surgiram mudanças significativas nas relações de trabalho, e uma das inovações mais relevantes foi a introdução da chamada “demissão em comum acordo“, prevista no artigo 484-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa modalidade permite que empregador e empregado encerrem o vínculo empregatício de forma mútua, com regras próprias, distintas da demissão sem justa causa ou do pedido de demissão.

A demissão por comum acordo tem atraído atenção tanto de trabalhadores quanto de empregadores por oferecer maior flexibilidade e previsibilidade no encerramento do contrato. No entanto, é fundamental entender os direitos envolvidos, os requisitos legais e como esse tipo de desligamento funciona na prática para evitar prejuízos e garantir segurança jurídica.

Neste artigo, vamos explicar em detalhes o que é a demissão em comum acordo, quais são seus efeitos legais, quais direitos são preservados e quais são perdidos, e de que forma o trabalhador pode avaliar se essa é uma alternativa vantajosa para sua situação profissional.

O que é a demissão em comum acordo?

A demissão em comum acordo é uma forma legal de encerramento do contrato de trabalho na qual tanto o empregador quanto o empregado manifestam de forma conjunta a vontade de rescindir o vínculo. Essa possibilidade foi inserida na CLT por meio da Lei nº 13.467/2017, que instituiu a Reforma Trabalhista.

De acordo com o artigo 484-A da CLT, ao optar por essa modalidade, as partes abrem mão de alguns direitos previstos na rescisão tradicional, mas ainda garantem parte significativa das verbas rescisórias. A principal ideia por trás dessa mudança legislativa é permitir que o rompimento do contrato ocorra de maneira mais equilibrada, sem que nenhuma das partes seja forçada a tomar medidas unilaterais.

É importante destacar que a iniciativa pode partir de qualquer uma das partes, mas somente terá validade se houver consenso mútuo e expressamente registrado. O objetivo é evitar simulações de demissão com o intuito de fraudar o sistema, especialmente o acesso ao seguro-desemprego e ao saque integral do FGTS.

A legislação impõe limites e critérios claros para que essa modalidade de rescisão seja válida. O trabalhador deve estar ciente de que não receberá todos os benefícios previstos na dispensa sem justa causa, como explicaremos nos tópicos a seguir.

Como funciona a demissão em comum acordo?

O processo de demissão em comum acordo começa com a manifestação de vontade de ambas as partes. Ao perceber que a relação de trabalho já não é mais produtiva ou benéfica para ambos, patrão e empregado podem dialogar e decidir, de maneira consensual, pelo encerramento do contrato.

A formalização da demissão deve ser feita por escrito, geralmente em um termo de rescisão contratual que explicite que a decisão foi tomada de comum acordo. Esse documento precisa conter todos os valores pagos a título de verbas rescisórias e as condições do encerramento do vínculo. Também é recomendável que haja uma assistência do sindicato ou do setor de Recursos Humanos, para evitar problemas futuros.

Após a formalização, o empregador deve realizar o pagamento das verbas rescisórias em até 10 dias corridos, conforme prevê o artigo 477 da CLT. O não cumprimento desse prazo pode gerar multa em favor do trabalhador. A entrega dos documentos como o Termo de Rescisão, o exame demissional e a comunicação ao eSocial também são exigências legais nesse processo.

É importante que tudo seja registrado com clareza e transparência. Documentos, conversas por escrito e recibos de pagamento são essenciais para garantir que, no futuro, nenhuma das partes alegue vício de consentimento ou irregularidade na rescisão.

O que recebo se pedir demissão em comum acordo?

Na demissão em comum acordo, o trabalhador não recebe todos os valores que teria direito em uma dispensa sem justa causa, mas ainda assim garante parte importante das verbas rescisórias. Veja a seguir o que é devido:

  1. Saldo de salário (pelos dias trabalhados no mês da rescisão);
  2. Férias vencidas + 1/3 constitucional, se houver;
  3. Férias proporcionais + 1/3 constitucional;
  4. 13º salário proporcional;
  5. Multa de 20% sobre o saldo do FGTS;
  6. Saque de até 80% do FGTS depositado;
  7. Metade do aviso prévio, se indenizado.

Essa lista mostra que o trabalhador ainda preserva parte considerável de seus direitos, o que pode ser vantajoso em situações onde ele já tem outro emprego em vista ou deseja encerrar o contrato por motivos pessoais. No entanto, o empregado não terá direito ao seguro-desemprego.

É essencial que o trabalhador faça uma análise detalhada da sua situação antes de optar por esse tipo de desligamento. Em alguns casos, como quando há necessidade de manter uma renda fixa ou se está em um mercado difícil, abrir mão do seguro-desemprego pode ser um prejuízo significativo.

Quais os requisitos legais para demissão em comum acordo?

Para que a demissão em comum acordo seja considerada válida e legal, alguns requisitos devem ser rigorosamente observados, conforme estabelecido pela CLT e pela jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

  1. Consentimento mútuo: é imprescindível que tanto o empregador quanto o empregado estejam de acordo com a rescisão. Qualquer forma de coação, pressão ou simulação pode anular o acordo.
  2. Registro formal da rescisão: deve ser elaborado um Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho (TRCT) especificando que a rescisão foi em comum acordo, mencionando os valores pagos e a base legal (art. 484-A da CLT).
  3. Pagamento das verbas rescisórias no prazo legal de até 10 dias corridos após o encerramento do contrato.
  4. Homologação não é obrigatória, mas recomendável, especialmente em contratos longos ou de valor elevado, para garantir segurança jurídica.

O descumprimento de qualquer um desses pontos pode levar à anulação do acordo e à necessidade de pagamento integral das verbas, além da possibilidade de ações judiciais por parte do trabalhador.

Como funcionam as verbas rescisórias na demissão em comum acordo?

As verbas rescisórias na demissão em comum acordo são compostas por valores proporcionais e integrais, conforme detalhado anteriormente. O ponto central é que algumas dessas verbas são pagas de forma reduzida, conforme previsto no artigo 484-A da CLT.

A multa do FGTS, por exemplo, que normalmente seria de 40% sobre o total dos depósitos, é reduzida para 20%. Além disso, o trabalhador só poderá sacar 80% do saldo da conta vinculada do FGTS, ficando o restante retido.

Outro ponto importante é o aviso prévio. Se ele for indenizado, será pago pela metade. Se for trabalhado, o trabalhador cumpre os dias normalmente, mas deve haver esse consenso entre as partes. Já o 13º salário proporcional e as férias (vencidas e proporcionais) são devidas integralmente.

Veja um resumo em forma de lista:

  • Saldo de salário: integral
  • Férias vencidas + 1/3: integral
  • Férias proporcionais + 1/3: integral
  • 13º proporcional: integral
  • Aviso prévio: metade se indenizado
  • Multa do FGTS: 20%
  • Saque do FGTS: até 80%
  • Seguro-desemprego: não é devido

Como ocorre a demissão em comum acordo na prática?

Na prática, a demissão em comum acordo costuma começar com uma conversa informal entre empregado e empregador. Um dos dois manifesta o desejo de encerrar o contrato, mas sem recorrer à demissão unilateral ou ao pedido de demissão. A partir daí, inicia-se uma negociação.

Ambas as partes discutem os termos do desligamento, especialmente no que diz respeito ao aviso prévio e ao pagamento das verbas rescisórias. Essa conversa pode ocorrer de maneira informal, mas deve resultar em documentos formais assinados por ambas as partes, como o TRCT.

O processo continua com o pagamento das verbas em até 10 dias, o registro da rescisão no sistema do eSocial, e a entrega de documentos como extrato do FGTS e chave de acesso. O exame demissional também deve ser realizado.

É importante ressaltar que, embora seja um processo aparentemente simples, ele deve ser conduzido com profissionalismo e respeito aos requisitos legais. Um erro na formalização pode gerar passivos trabalhistas no futuro.

Quem entra em acordo perde o seguro-desemprego?

Sim. Um dos principais pontos que o trabalhador deve considerar antes de aceitar a demissão em comum acordo é a perda do direito ao seguro-desemprego. Isso ocorre porque esse benefício é garantido somente nos casos de dispensa sem justa causa.

O seguro-desemprego tem por objetivo garantir uma assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado involuntariamente. Como a demissão em comum acordo representa um encerramento consentido do contrato, entende-se que não há involuntariedade, o que afasta o direito ao benefício.

Segundo a Lei nº 7.998/1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego, o direito é excluído nos casos em que o trabalhador opta por sair da empresa ou quando há acordo entre as partes. Isso visa preservar o sistema contra fraudes e simulações de demissões.

Portanto, o trabalhador deve ponderar: se estiver em situação financeira instável, sem outra oferta de emprego, ou se depender do seguro-desemprego para manter seu sustento, a demissão em comum acordo pode não ser a melhor escolha.

Quem faz acordo tem direito ao FGTS?

Sim. O trabalhador demitido por comum acordo tem direito ao saque parcial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ele poderá sacar até 80% do saldo da sua conta vinculada.

Além disso, o empregador será obrigado a pagar uma multa rescisória de 20% sobre o total dos depósitos feitos durante o contrato de trabalho, valor que será creditado na conta do trabalhador.

O restante do FGTS (os 20% não sacados) permanecerá na conta, podendo ser retirado futuramente em outras hipóteses previstas em lei, como aquisição da casa própria, aposentadoria ou doenças graves.

Esse saque parcial é uma das principais diferenças da demissão em comum acordo em relação à demissão sem justa causa, em que o trabalhador pode sacar 100% do FGTS e ainda recebe 40% de multa sobre os depósitos.

Quais as vantagens da demissão em comum acordo?

A demissão em comum acordo pode ser vantajosa tanto para o trabalhador quanto para o empregador, desde que bem compreendida e utilizada com responsabilidade. Dentre os principais benefícios, destacam-se:

  1. Evita litígios trabalhistas, já que ambas as partes concordam com a rescisão;
  2. Flexibiliza o término do contrato, permitindo maior diálogo;
  3. Garante parte significativa das verbas rescisórias ao trabalhador;
  4. Reduz os custos da empresa com multa de FGTS e aviso prévio.

Do ponto de vista do trabalhador, a vantagem é poder sair do emprego sem precisar “pedir demissão” (perdendo tudo), mantendo parte dos seus direitos. Para quem já tem uma proposta melhor ou deseja empreender, essa pode ser uma solução interessante.

Para o empregador, evita-se o risco de futuras ações judiciais, reduz-se o custo da demissão e mantém-se uma boa relação com o ex-funcionário, o que pode ser útil no futuro.

Contudo, é necessário pesar o custo-benefício, especialmente considerando a perda do seguro-desemprego e o saque parcial do FGTS.

Como calcular demissão em comum acordo?

O cálculo da rescisão em comum acordo deve considerar todos os valores a que o trabalhador tem direito, com atenção para os que serão pagos de forma integral e os que serão pagos de forma reduzida. Veja o passo a passo:

  1. Calcular o saldo de salário: dias trabalhados no mês da rescisão.
  2. Calcular as férias vencidas e proporcionais, com adicional de 1/3.
  3. Calcular o 13º salário proporcional.
  4. Aviso prévio: se indenizado, pagar apenas 50% do valor.
  5. Multa do FGTS: aplicar 20% sobre o total de depósitos feitos.
  6. Saque do FGTS: permitir o saque de até 80% do saldo disponível.

Exemplo prático: um trabalhador com 1 ano de empresa, salário de R$ 3.000, que tenha 10 dias trabalhados no mês da rescisão e sem férias vencidas.

  • Saldo de salário: R$ 1.000
  • Férias proporcionais + 1/3: R$ 1.333
  • 13º proporcional: R$ 1.000
  • Aviso prévio (indenizado): R$ 1.500
  • Multa do FGTS (R$ 3.600 de depósitos): R$ 720
  • Total a receber: R$ 5.553

Esse cálculo é estimado e deve ser conferido com base em contracheques, extrato do FGTS e conferência com o RH ou contador.

A demissão em comum acordo é uma alternativa viável e legalmente segura para o encerramento do vínculo empregatício quando ambas as partes concordam com a decisão. Apesar de oferecer vantagens como o recebimento parcial de verbas rescisórias e o saque parcial do FGTS, é preciso atenção aos direitos que são perdidos, como o seguro-desemprego.

É fundamental que o trabalhador conheça seus direitos, entenda os impactos financeiros dessa escolha e avalie com cuidado, preferencialmente com orientação jurídica ou contábil, antes de assinar qualquer documento. A transparência e o respeito mútuo são pilares para uma rescisão tranquila e sem prejuízos.

Se você está considerando essa opção, reflita, dialogue e, se necessário, busque ajuda profissional para tomar a melhor decisão para sua carreira e estabilidade financeira.

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